domingo, 20 de junho de 2010

Não jorra... Espera lá... Afinal jorra e não é pouco!



Faltam duas semanas para regressar à civilização...

As palavras jorram hoje imparáveis, tal como o efervescente suco da vida quando descobre o ar pela primeira vez ao saltar no vazio depois de apressadamente fugir de um membro decepado.

Começo a ter mais uma vez mais aquela sensação estranha de estar de novamente perante o desconhecido.



Não sei se será apanágio de todos os que por cá fora passam, mas não deixa de haver alguma expectativa e curiosidade em relação ao que irei encontrar quando voltar.

Tenho a sensação de ter vivido a 300 km por hora, e cheira-me que de repente vou aterrar num mundo que vai estar quase imutável, que andou a passo de caracol... É como se tivesse um Ferrari e competisse com uma carroça... No final de contas, a meta é igual para os dois, mas um chega lá muito mais rápido, resta depois saber o que fará enquanto espera pelo outro.



Quando se vive por fora, independentemente do sítio, há sempre uma pressão derivada da própria envolvente e das circunstâncias que nos forçam a absorver o exterior a ritmo acelerado.

E assim fiz.



Nos 6 meses que por aqui andei sorvi tudo o que me rodeia com tal sofreguidão que nem sempre tive capacidade para de imediato digerir os acontecimentos ou as consequências convenientemente.

Mas cá por fora, com um deadline tão bem definido como aquele que eu tinha, o tempo é um inimigo.

Não dá para carregar na tecla do pause, não há um hibernar, cada segundo desperdiçado é um segundo perdido, e é completamente diferente desperdiçar um segundo a meia dúzia de quilómetros de casa ou a alguns milhares de quilómetros de distância.

É curioso... Mesmo todas as diatribes que tão alegremente proferi contra este miserável povo romeno parecem agora estar tão longe, como se fossem referências a acontecimentos vividos algures num passado distante...



E por mais que me custe a entender, esta merda de clima, estas habitações com ar rafeiro e precário, estas estradas que mais parecem caminhos de cabras, estes romenos que se vestem que nem uns parolos, esta língua que soa mais a russo do que a latino, esta comida que me faz espumar da boca quando me lembro das nossas tão saudosas iguarias lusitanas, tudo isto, que inicialmente me custou tanto a aceitar, começa agora a querer entranhar-se em mim de forma inopinada, assim de "surra" ou como quem não quer a coisa, e a pouco e pouco, toda esta realidade acabou por me ir abraçando e amolecendo, e cheira-me que, para meu grande espanto, ainda me vai deixar saudade...

Esta agora, hein...?!?

Até já comecei a pensar de quem e do quê é que eu vou dizer mal quando voltar para Portugal.

Nós não temos carroças a circular nas estradas perto de Lisboa, não temos carradas de cães vadios a correrem atrás dos carros com um ladrar psicótico e kamikaze, não temos ciganos a passear com carrinhos de mão cheios de ferro velho no meio das zonas urbanas, sei lá, não temos todos aqueles maravilhosos tesourinhos deprimentes que eles aqui têm e que me fazem pensar em Portugal como um país no apogeu do seu desenvolvimento, como um lugar civilizado, com pessoas com boa aparência, trabalhadoras, um lugar onde reina a organização, onde tudo funciona na perfeição.




Bom, acho que vou ter de dar umas voltas pela Baixa, pelo Martim Moniz, pelos arredores de Lisboa, assim tipo Amadora, Cacém, quiçá mesmo Cova da Moura, e pelas aldeias pobres do interior para não ficar com esta imagem idílica do nosso país...

Se alguém ler isto e achar que é tudo um disparate, faça favor de deixar a sua opinião. Quero perceber se esta sensação estranha é comum a todos os radicados no estrangeiro ou se sou eu que sou esquisito.

E com estes pensamentos profundos me vou, até porque tenho um quarto para arrumar, roupa para engomar, um artigo para escrever e um jantar para fazer.




Até... à próxima, ou então não... Logo se verá...

Hasta!

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Falta um mês! :D

Hoje, 5a feira 3 de Junho de 2010, é um dia especial!

- Falta um (1) mês para voltar para Portugal!

- Faz 148 dia que cheguei à Roménia!

- Faço 1 ano de namoro com a minha "baby"! :p

- Faz hoje 3 meses e meio desde a última vez que esteve sol na Roménia!

- Nasceram mais uma data de ciganitos neste país onde eu me encontro!

- De certeza que nasceu pelo menos um ciganito também em Portugal!

- Israel continua com uma atitude lixada em relação aos desgraçados dos palestinianos!

- Os palestinianos continuam lixados com Israel e com vontade de se rebentarem por lá!

- As medidas de austeridade foram aprovadas no parlamento!

- Já me refiz do choque de ter visto cocó na parede da casa de banho do sítio ode treino kickboxing (sim, é verdade, estava lá uma nesga de resíduos de defecação praí a uma altura de 1,5 metros... Nojento!)

- Tou todo amassado do treino de kickboxing de ontem!

- Meti quase 60€ de gasosa no fantástico Dácia Logan que me serve de meio de transporte aqui por estas bandas!

- Comi 2 kiwis e uma data de tostas com manteiga de amendoim ao pequeno almoço!

- Ainda não obrei!

- Ainda não bebi café!

- Acho que não me esqueci de dar os parabéns a ninguém, algo que em acontecido recorrentemente e que muito me desagrada (faz-me sentir velho esta coisa de me esquecer de eventos e datas importantes)!

- Ainda não vi nenhuma carroça!

- Ainda não ouvi corvos! Espera... "Crááááá! Crááááá! Crááá!" Ok, estão aí afinal... Risca este e segue para o próximo!

- O trabalho está a correr bem! Já despachei uma das coisas importantes que tinha para fazer e vou agora pegar na próxima!

- Tou sem grande inspiração e por isso só escrevi porcaria!

- Vai ser o primeiro post em que não coloco nenhuma fotografia, e vai ser também com grande probabilidade o mais desinteressante de todos!

quinta-feira, 27 de maio de 2010

De olhos esbugalhados...



Estão a ver este gato...? Com o ar mais inocente do mundo...?

Pois, é com ar idêntico que os nossos colegas vêm aqui todos os dias pedir-nos boleia para irmos com eles ao şantier... Ah, sim, şantier é à obra, perdoem-me a desatenção.

O processo de tortura psicológica começa sempre da mesma forma, e tem como protagonista em 90% dos casos o nosso colega que eu não vou dizer quem é, mas que desempenha a função que começa por "to" e acaba em "pógrafo", cujo primeiro nome quando traduzido de Romeno para Português é Urso! (isto é verídico)

1) Bate à porta, faz uma ligeira vénia quando nos cumprimentamos e enquanto trocamos as saudações habituais de bom dia, "Bună dimineaţa" ou "Bună ziua"
, ele começa a olhar para nós de olhos esbugalhados, como se tivesse um grande vazio dentro de si a precisar de ser preenchido...

2) De forma cavalheiresca faz alguma conversa de circunstância, para não despejar em saco roto o pedido que vai sendo catalisado e cozinhado com enorme requinte na sua mente.

3) Depois sonda-nos com o olhar, fazendo um ar cada vez mais triste, infeliz e miserável, à espera que a gente se voluntarie para o irmos levar ao şantier.

4) O olhar esbugalhado pode levar longos minutos. Podemos estar aqui a trabalhar, a enviar um email importante ou a fazer "whatever it is", que ele não desgruda, fica a olhar fixamente até se tornar quase insuportável...

5) Pronto, não dá para o ignorarmos mais! A pressão é demasiado grande. Olhamos para ele, e aqueles olhos esbugalhados iguais a um pobre coitado que perdeu tudo na vida fixam-se em nós e salta a pergunta: "Do you want to go on site? Because I have some very importante thing to do there..." - E isto quer dizer que pode ter de ir tirar umas medidas, pode ter de ir a uma "Faza determinant", pode estar farto de estar no escritório e quer sair um pouco, tem de ir lá à obra "coçar a micose", alguém no site precisa que ele lá vá "coçar-lhe a micose", foi vista uma formiga a atravessar a estrada e a compactação introduzida pelas suas patinhas pode alterar a espessura das camadas, sei lá, todos os pretextos são bons...

Dasssssss... :(

Só lhe faltam asas e zumbir para se tornar igual a um ser quitinoso, daqueles que nos chupam de forma irritante e persistente o sangue quando estamos a dormir!

God damn "MELGA"!

E se dizemos que não dá, se estamos cheios de trabalho e a última coisa que dá jeito à face da Terra é ir lá à obra, o truque é simples: fazem-se várias incursões até que a gente ceda... 5 minutos de cada vez com o olhar esbugalhado a atrapalhar o nosso trabalho, multiplicado pelas vezes que forem necessárias (sim, porque paciência não lhes falta) e "voilá"! Lá acaba por se tornar insuportável, a modos que lhes damos boleia para a obra!

É assim:

- "Can we go on site?"
- "No Mister X, today we have lot's of work, and we can't go." - Respondemos nós.
5 minutos depois aparece o "PussInBoots"...
- "It would be very important for me to go on site today..." - Diz ele com o ar miserável de sempre...
- "We are very sorry
Mister X, but we definitly can't go today." - Respondemos pacientemente.
Volvidos mais 5 minutos, volta a entrar no nosso escritório, com um ar que mais parece que lhe morreu a família toda.
Desta feita senta-se, não diz nada e fica só a torturar-nos com o seu olhar esbugalhado...
Não respondemos...
Levanta-se e sai, apenas para voltar alguns minutos mais tarde:
- "Please guys, can you take me there, because I don't have another way to get there... Please... Pleaaaaaseeeeee..." - E nisto deita-se no chão, rasteja até às nossas pernas e agarra-se lá a chorar, a maldizer a sua vida desgraçada, a sua esposa feia que nem um cão, o seu salário miserável de 100€ por mês, o filho que nasceu com enormes deformações...
- "Ok, ok, we will stop everything, all the things we are doing right now, and we will take you there..."

Bom, esta parte final foi um pouco dramatizada, mas retrata de forma meio satírica aquilo que aqui se passa todos os dias.
Não é que custe muito ir ao terreno, isso até é bom, é a questão das circunstâncias, e às vezes não é de todo a altura mais conveniente, mas perante o olhar esbugalhado de pobre coitado, o que é que se pode fazer...?

E pronto, ficou aqui um desabafo, sem grandes floreados nem rabiscos muito elaborados, porque desta feita, era mesmo só isto que eu precisava de cuspir cá para fora!

Tchau!

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Nativos!



Urge a necessidade de apresentar as minhas desculpas.
Este povo romeno que tão generosamente me acolheu no seu seio não é afinal tão mau nem tão desmerecedor de consideração quanto eu talvez o tenha pintado até agora.



Certo é que me proporciona fotos fantásticas com situações que não lembram a ninguém, certo é que ainda tem um longo caminho pela frente até atingir os padrões civilizacionais a que estamos habituados em Portugal, mas não posso deixar de me perguntar: Qual será a opinião de um Sueco ou Alemão que radicado no nosso país se confronta com uma realidade tão diferente da que vivia anteriormente? Não nos olharão eles de forma idêntica?

Por isso, na rubrica "Nativos", resolvi não colocar apenas fotos de indigentes e miseráveis, mas também algumas imagens do dia-a-dia de pessoas normalíssimas, mas que por alguma razão me chamaram a atenção.


Uma criança cigana espreita curiosa para a minha máquina fotográfica meio escondida pelo irmão mais velho, numa aldeola aqui perto de Sibiu. A segunda foto foi un ciganito que eu apanhei distraído a olhar para a estrada, em Sighişoara.


A miséria a uma rua de distância da alegria de um casamento, em Sibiu.
O confronto entre duas realidades que coexistem a escassos metros uma da outra.
Um casamento de pessoas claramente abastadas, e um indigente sentado num banco a ler um jornal.
Pergunto-me se em Portugal a grande maioria dos sem-abrigo não serão analfabetos. Mais uma diferença entre nós e os Romenos.





Imagens de uma Roménia rural.
Um pastor que tomava conta do seu rebanho nas proximidades da nossa obra; uma carroça estacionada num bairro periférico de Sibiu; um vendedor de batatas que dormia ao sol num banco ao lado da estrada que liga Sibiu a Fagaraş; um agricultor a transportar as suas ferramentas, na estrada que vai para Paltinis.






Os velhinhos de cá não são assim tão diferentes dos nosso, trocaram foi a bisca pelo xadrez. Aparte isso também me parecem um bocado mais dinâmicos, pelo menos a avaliar pela quantidade de pessoas de idade avançada que vemos a circular pelas ruas e caminhos deste país.




Aqui está um ponto em que noto alguma diferença.
O acesso à cultura. Temos bem enraizada aquela ideia de que os romenos são ciganos incultos e sem educação, mas tal não é verdade.
Para mal deste povo, os exemplares emigrados correspondem muitas vezes a uma amostra não representativa daquilo que é a Roménia.
Há muitos espectáculos, e quando não são gratuitos geralmente têm preços bem acessíveis, e costumam ter sempre uma audiência bastante razoável.





Tesourinhos perdidos dos tempos em que vivi em Bucareste.
Primeiro os vendedores de facturas; em Bucareste, em certas estradas, deparámo-nos com uma multidão de gente a acenar com uns papéis que ao início não conseguimos perceber bem o que é que eram. Viemos a saber que eram facturas. Uma multidão de vendedores de facturas, num daqueles negócios impensáveis num país civilizado, mas que aqui assume proporções que já não lhe permitem passar despercebido.
Depois os parquímetros. Lixados porque têm pernas e nos perseguem e porque não dão para encravar com papéis como os de Lisboa, mas bastante úteis quando neva, pois com a ajuda da pá lá vão limpando ruas e carros, que por vezes ficam encalhados no meio de tanta neve.
Algumas fotos ainda de um passeio pelo parque, para se ver o estilo exuberante da juventude, as acrobacias que alguns aventureiros fazem com as suas bicicletas e um "peseiro", uma profissão só vista por estas bandas, e que consiste apenas em ficar sentado o dia todo a comer sementes com uma balança à frente para as pessoas se pesarem.


Obra!
Um "elevador" improvisado para subir taludes e dois caloteiros que descansavam escondidos atrás de um monte de terra.
Escusado será dizer que depois de me terem visto a tirar a foto se puseram logo de pé a trabalhar, mas não sem antes me terem lançado um olhar fulminante de quem fica realmente lixado por ter sido apanhado em flagrante delito.


Os típicos ciganos, com os seus trajos de cores espalhafatosas e exuberantes.
Os homens ostentam o típico chapéu preto da ciganada e bigode.
Estas fotos foram tiradas num bairro cigano da aldeia de Porumbaco de Jos, a 30km de Sibiu.


A filmarem um anúncio em Bâlea Lac.


A canalização do gás aqui está toda à superfície.
Neste caso, a conduta do gás foi adaptada para servir de banco aos velhotes daquela rua.



Bom, e como não podia deixar de ser, algumas fotos de uns nativos lusitanos durante uma visita ao Museu Astra, em Sibiu.



Conclusões:

1) A Roménia, apesar de tudo, ainda é um grande atraso de vida!

2) Apesar de ser um atraso de vida, este país tem uma coisa curiosa. É que primeiro estranha-se, depois entranha-se! Não percebo bem porquê, mas até gosto disto. Deve ser da Primavera, as coisas deixaram de ser castanhas e adquiriram outra vivacidade.

3) Os Romenos ainda estão um bocado presos a uma elite política corrupta e ineficaz, o que faz com que muita gente viva num mundo que mais faz lembrar a idade média.

4) Ainda há aqui muito para descobrir, entre explorar o país e os hábitos dos nativos. Afinal de contas a Roménia tem muito mais para oferecer do que aquilo que mostra à primeira vista.

5) Há mais uma data de conclusões que se podem tirar, mas não estou muito para aí virado, até porque não quero afastar os leitores ao colocar aqui textos muito extensos e com conteúdo pedagógico. É muito mais eficiente adoptar uma postura satírica e maldizente do que ser um pedagogo enfadonho e desinteressante! ;)

Inté!