quinta-feira, 27 de maio de 2010

De olhos esbugalhados...



Estão a ver este gato...? Com o ar mais inocente do mundo...?

Pois, é com ar idêntico que os nossos colegas vêm aqui todos os dias pedir-nos boleia para irmos com eles ao şantier... Ah, sim, şantier é à obra, perdoem-me a desatenção.

O processo de tortura psicológica começa sempre da mesma forma, e tem como protagonista em 90% dos casos o nosso colega que eu não vou dizer quem é, mas que desempenha a função que começa por "to" e acaba em "pógrafo", cujo primeiro nome quando traduzido de Romeno para Português é Urso! (isto é verídico)

1) Bate à porta, faz uma ligeira vénia quando nos cumprimentamos e enquanto trocamos as saudações habituais de bom dia, "Bună dimineaţa" ou "Bună ziua"
, ele começa a olhar para nós de olhos esbugalhados, como se tivesse um grande vazio dentro de si a precisar de ser preenchido...

2) De forma cavalheiresca faz alguma conversa de circunstância, para não despejar em saco roto o pedido que vai sendo catalisado e cozinhado com enorme requinte na sua mente.

3) Depois sonda-nos com o olhar, fazendo um ar cada vez mais triste, infeliz e miserável, à espera que a gente se voluntarie para o irmos levar ao şantier.

4) O olhar esbugalhado pode levar longos minutos. Podemos estar aqui a trabalhar, a enviar um email importante ou a fazer "whatever it is", que ele não desgruda, fica a olhar fixamente até se tornar quase insuportável...

5) Pronto, não dá para o ignorarmos mais! A pressão é demasiado grande. Olhamos para ele, e aqueles olhos esbugalhados iguais a um pobre coitado que perdeu tudo na vida fixam-se em nós e salta a pergunta: "Do you want to go on site? Because I have some very importante thing to do there..." - E isto quer dizer que pode ter de ir tirar umas medidas, pode ter de ir a uma "Faza determinant", pode estar farto de estar no escritório e quer sair um pouco, tem de ir lá à obra "coçar a micose", alguém no site precisa que ele lá vá "coçar-lhe a micose", foi vista uma formiga a atravessar a estrada e a compactação introduzida pelas suas patinhas pode alterar a espessura das camadas, sei lá, todos os pretextos são bons...

Dasssssss... :(

Só lhe faltam asas e zumbir para se tornar igual a um ser quitinoso, daqueles que nos chupam de forma irritante e persistente o sangue quando estamos a dormir!

God damn "MELGA"!

E se dizemos que não dá, se estamos cheios de trabalho e a última coisa que dá jeito à face da Terra é ir lá à obra, o truque é simples: fazem-se várias incursões até que a gente ceda... 5 minutos de cada vez com o olhar esbugalhado a atrapalhar o nosso trabalho, multiplicado pelas vezes que forem necessárias (sim, porque paciência não lhes falta) e "voilá"! Lá acaba por se tornar insuportável, a modos que lhes damos boleia para a obra!

É assim:

- "Can we go on site?"
- "No Mister X, today we have lot's of work, and we can't go." - Respondemos nós.
5 minutos depois aparece o "PussInBoots"...
- "It would be very important for me to go on site today..." - Diz ele com o ar miserável de sempre...
- "We are very sorry
Mister X, but we definitly can't go today." - Respondemos pacientemente.
Volvidos mais 5 minutos, volta a entrar no nosso escritório, com um ar que mais parece que lhe morreu a família toda.
Desta feita senta-se, não diz nada e fica só a torturar-nos com o seu olhar esbugalhado...
Não respondemos...
Levanta-se e sai, apenas para voltar alguns minutos mais tarde:
- "Please guys, can you take me there, because I don't have another way to get there... Please... Pleaaaaaseeeeee..." - E nisto deita-se no chão, rasteja até às nossas pernas e agarra-se lá a chorar, a maldizer a sua vida desgraçada, a sua esposa feia que nem um cão, o seu salário miserável de 100€ por mês, o filho que nasceu com enormes deformações...
- "Ok, ok, we will stop everything, all the things we are doing right now, and we will take you there..."

Bom, esta parte final foi um pouco dramatizada, mas retrata de forma meio satírica aquilo que aqui se passa todos os dias.
Não é que custe muito ir ao terreno, isso até é bom, é a questão das circunstâncias, e às vezes não é de todo a altura mais conveniente, mas perante o olhar esbugalhado de pobre coitado, o que é que se pode fazer...?

E pronto, ficou aqui um desabafo, sem grandes floreados nem rabiscos muito elaborados, porque desta feita, era mesmo só isto que eu precisava de cuspir cá para fora!

Tchau!

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Nativos!



Urge a necessidade de apresentar as minhas desculpas.
Este povo romeno que tão generosamente me acolheu no seu seio não é afinal tão mau nem tão desmerecedor de consideração quanto eu talvez o tenha pintado até agora.



Certo é que me proporciona fotos fantásticas com situações que não lembram a ninguém, certo é que ainda tem um longo caminho pela frente até atingir os padrões civilizacionais a que estamos habituados em Portugal, mas não posso deixar de me perguntar: Qual será a opinião de um Sueco ou Alemão que radicado no nosso país se confronta com uma realidade tão diferente da que vivia anteriormente? Não nos olharão eles de forma idêntica?

Por isso, na rubrica "Nativos", resolvi não colocar apenas fotos de indigentes e miseráveis, mas também algumas imagens do dia-a-dia de pessoas normalíssimas, mas que por alguma razão me chamaram a atenção.


Uma criança cigana espreita curiosa para a minha máquina fotográfica meio escondida pelo irmão mais velho, numa aldeola aqui perto de Sibiu. A segunda foto foi un ciganito que eu apanhei distraído a olhar para a estrada, em Sighişoara.


A miséria a uma rua de distância da alegria de um casamento, em Sibiu.
O confronto entre duas realidades que coexistem a escassos metros uma da outra.
Um casamento de pessoas claramente abastadas, e um indigente sentado num banco a ler um jornal.
Pergunto-me se em Portugal a grande maioria dos sem-abrigo não serão analfabetos. Mais uma diferença entre nós e os Romenos.





Imagens de uma Roménia rural.
Um pastor que tomava conta do seu rebanho nas proximidades da nossa obra; uma carroça estacionada num bairro periférico de Sibiu; um vendedor de batatas que dormia ao sol num banco ao lado da estrada que liga Sibiu a Fagaraş; um agricultor a transportar as suas ferramentas, na estrada que vai para Paltinis.






Os velhinhos de cá não são assim tão diferentes dos nosso, trocaram foi a bisca pelo xadrez. Aparte isso também me parecem um bocado mais dinâmicos, pelo menos a avaliar pela quantidade de pessoas de idade avançada que vemos a circular pelas ruas e caminhos deste país.




Aqui está um ponto em que noto alguma diferença.
O acesso à cultura. Temos bem enraizada aquela ideia de que os romenos são ciganos incultos e sem educação, mas tal não é verdade.
Para mal deste povo, os exemplares emigrados correspondem muitas vezes a uma amostra não representativa daquilo que é a Roménia.
Há muitos espectáculos, e quando não são gratuitos geralmente têm preços bem acessíveis, e costumam ter sempre uma audiência bastante razoável.





Tesourinhos perdidos dos tempos em que vivi em Bucareste.
Primeiro os vendedores de facturas; em Bucareste, em certas estradas, deparámo-nos com uma multidão de gente a acenar com uns papéis que ao início não conseguimos perceber bem o que é que eram. Viemos a saber que eram facturas. Uma multidão de vendedores de facturas, num daqueles negócios impensáveis num país civilizado, mas que aqui assume proporções que já não lhe permitem passar despercebido.
Depois os parquímetros. Lixados porque têm pernas e nos perseguem e porque não dão para encravar com papéis como os de Lisboa, mas bastante úteis quando neva, pois com a ajuda da pá lá vão limpando ruas e carros, que por vezes ficam encalhados no meio de tanta neve.
Algumas fotos ainda de um passeio pelo parque, para se ver o estilo exuberante da juventude, as acrobacias que alguns aventureiros fazem com as suas bicicletas e um "peseiro", uma profissão só vista por estas bandas, e que consiste apenas em ficar sentado o dia todo a comer sementes com uma balança à frente para as pessoas se pesarem.


Obra!
Um "elevador" improvisado para subir taludes e dois caloteiros que descansavam escondidos atrás de um monte de terra.
Escusado será dizer que depois de me terem visto a tirar a foto se puseram logo de pé a trabalhar, mas não sem antes me terem lançado um olhar fulminante de quem fica realmente lixado por ter sido apanhado em flagrante delito.


Os típicos ciganos, com os seus trajos de cores espalhafatosas e exuberantes.
Os homens ostentam o típico chapéu preto da ciganada e bigode.
Estas fotos foram tiradas num bairro cigano da aldeia de Porumbaco de Jos, a 30km de Sibiu.


A filmarem um anúncio em Bâlea Lac.


A canalização do gás aqui está toda à superfície.
Neste caso, a conduta do gás foi adaptada para servir de banco aos velhotes daquela rua.



Bom, e como não podia deixar de ser, algumas fotos de uns nativos lusitanos durante uma visita ao Museu Astra, em Sibiu.



Conclusões:

1) A Roménia, apesar de tudo, ainda é um grande atraso de vida!

2) Apesar de ser um atraso de vida, este país tem uma coisa curiosa. É que primeiro estranha-se, depois entranha-se! Não percebo bem porquê, mas até gosto disto. Deve ser da Primavera, as coisas deixaram de ser castanhas e adquiriram outra vivacidade.

3) Os Romenos ainda estão um bocado presos a uma elite política corrupta e ineficaz, o que faz com que muita gente viva num mundo que mais faz lembrar a idade média.

4) Ainda há aqui muito para descobrir, entre explorar o país e os hábitos dos nativos. Afinal de contas a Roménia tem muito mais para oferecer do que aquilo que mostra à primeira vista.

5) Há mais uma data de conclusões que se podem tirar, mas não estou muito para aí virado, até porque não quero afastar os leitores ao colocar aqui textos muito extensos e com conteúdo pedagógico. É muito mais eficiente adoptar uma postura satírica e maldizente do que ser um pedagogo enfadonho e desinteressante! ;)

Inté!

terça-feira, 18 de maio de 2010

Gratar!


Ladies and germs, é oficial!


Estou romenizado! :)



"Romenizado...?" - perguntais vós... Não será romanizado, como que advindo daquele processo de aculturação resultante das invasões do império romano, cuja influência se nota ao nível da língua, costumes e arquitectura, entre outros...?

"Não!" - Respondo energicamente - "Eu estou Romenizado!"

A "Romenização" deriva tal, como a romanização, de um processo de aculturação, mas não da cultura romana, nem como resultado das invasões romanas, mas sim de um processo de absorção da língua e cultura romenas, e consequência de uma incursão lusitana ao reino da Valáquia!

Pois é, 4 meses e picos de permanência por estas bandas resultaram nisto.

Se numa primeira fase explorei a língua romena, tendo aprendido a comunicar no dialecto local, numa segunda fase resolvi experimentar a cultura cá do sítio!



E a prova da integração com as gentes e costumes locais não é nem mais nem menos do que a ida a um "Gratar" com a malta cá do escritório! :D




Um "Gratar" é uma espécie de barbecue ou churrasco, com algumas pequenas particularidades.




A escolha do local processa-se de forma mais ou menos idêntica ao que estamos habituados, ou seja, pega-se na "maşină" (carro), vai-se até um local propício, tal como um vale com um ribeiro ladeado de montanhas e florestas lindíssimas, monta-se um grelhador, faz-se uma fogueira e "abanca-se" na erva sem grande pudor! Até aqui tudo igual.





Óspois é que vêm as diferenças.

Para começar bebe-se um copito ou outro de "Ţuică" ou "Palincă", uns destilados fortemente alcoólicos que são de muito agrado das gentes cá da terra.

Depois viram-se umas "beri" de meio litro (sim, porque minis bem fresquinhas com muita bolhinha boa é coisa desconhecida por estas bandas, aqui a cerveja quer-se grande, morna e sem gás...) enquanto se assa a carne, o "mici" ou o "peşte", que no nosso caso eram "păstrăvi" (trutas).



Há também umas entraditas, como "telemea" acompanhado por "slănină", aka "şuncă", "roşi" şi "ceapă".

Opáh, agora escapou-se-me a escrita para o romeno... Sinais da "Remenização" de que falava anteriormente...

Pois esclareça-se que "telemea" é um tipo de queijo, "slănină" ou "şuncă" é uma espécie de bacon, "roşi" é tomate e "ceapă" é cebola.



Aqui surge outra diferença. Não há cá aquela coisa de ir comendo a carne ao mesmo tempo que se grelha. Por estas bandas é cada coisa de sua vez! Resultado, a carne já não está assim tão quente quanto isso quando chega a hora de comer!



E mais, com a "Ţuică", "Palincă" e cerveja que se vai emborcando, quando chega a hora de dar algum aconchego ao estômago, é bem possível que já se esteja um tanto ou quanto inebriado...

Mais diferenças... A atitude!

Num "gratar" romeno dança-se e canta-se, isto é uma grande festa, e com o avançar da hora, vão-se botando uns copitos abaixo, e ainda se canta e dança mais...






E dança-se, dança-se, dança-se...






Faz-se a dança do pinguim, uma e outra vez, para ajudar a diluir o álcool!



Tenho de acrescentar que acho que tive alguma sorte com a nossa equipa aqui em Sibiu.
Eles são impecáveis, muito afáveis e simpáticos, sempre prontos para dar uma mãozinha se for preciso, e isso também se viu no gratar!



Enfim, é uma experiência muito interessante e se for feita bem ao estilo romeno, é uma experiência um tanto ou quanto inesquecível, também em parte por causa da ressaca do dia a seguir, caso não se tenha cuidado com a bebida...

Aconselho vivamente a experimentar!

O próximo ficámos de ser nós a organizar, e para o efeito já trouxe para cá uns tremoços e uns chouriços dos bons (porque os de cá... Jasus... :p Os "cârnaţi" deixam muito a desejar, sabem todos a salame...), fica só a faltar é uma boa pinga lusitana, mas isso se calhar vai ter de esperar...




Durante o barbecue aproveitámos para ir dar umas voltas pelas proximidades para ver a natureza, e encontrámos alguns exemplares bem gordos de salamandras!

Muito simpáticas e afáveis, e um tanto ou quanto viscosas também! ;)

Prá próxima experimento gratar uma para ver a que é que sabem! Ehehehe!




Fica então aqui o convite, para quem estiver interessado, para virem cá fazer uma visita a terras ciganas experimentar um dia na pele de um romeno!

La revedere! ;)